sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

NO FESTIVAL DE TIRADENTES , FILME DE AFFONSO UCHOA MOSTRA AFETO FORMALISTA

Durante os anos 1980, uma nova tendência, inspirada em Tarkovski e, por conseqüência, no mestre Mizoguchi, pairou sobre o cada vez mais badalado circuito de filmes de arte: começava o reinado dos filmes que “esculpiam o tempo”, parafraseando o mais famoso livro sobre Tarkovski. Eram chamados de lentos, pelo grosso da cinefilia, mas foi adquirindo uma legião cada vez maior de fanáticos, que os defendiam com unhas e dentes.

Durante os anos 1990, esse reinado já estava bem consolidado, mas ainda encontrava enorme resistência dentro da intelligentzia cinematográfica (o que engloba críticos, cinéfilos e descolados, inteligentes ou não).

Os anos 2000 viram o que ninguém pode duvidar: a legitimação desse tipo de filme, num patamar que já chegou, há anos, às raias de um academicismo tão ou mais nocivo do que o academicismo clássico do cinema tradicional – o que não esculpe o tempo, mas o administra para o prazer do espectador.

Tal legitimação se dá num ponto tão insuportável que hoje alguns cultores desse modo de filmar – que sem dúvidas nos deu obras gigantes do cinema – resolveram radicalizar e literalmente filmar o vazio cinematográfico, ou o vazio de idéias, tudo em nome de uma composição pictórica e excessivamente artística no enquadramento, com requintes de foco e de desenquadramento (o efeito de tirar do centro da tela a informação mais importante).Essa radicalização agora parece que é regra, e “Mulher à Tarde”, vêm somar-se aos novos acadêmicos do tempo esculpido em câmera lenta.

Este longa vazio sobre o vazio de três vidas femininas, dirigido por Affonso Uchoa, encontra legitimação da crítica que comparece em festivais, e por isso pode reinar em absoluto, em detrimento do verdadeiro cinema, aquele que não perde de vista um mundo reconhecível e pulsante.

O mais difícil, na verdade, é entender como alguém pode se interessar por um filme em que três jovens garotas passam a tarde ruminando problemas que parecem que não são delas, e posando de estátuas para enquadramentos insuportavelmente sofisticados. Algo precisa ser feito para conter esse novo academicismo, e se meu papel é dar o pontapé inicial para que isso aconteça, que assim seja. Vade retro, cinema de afetação formalista.

0 comentários: